Em um desses fóruns de rpg que pululam na Internet, dei de cara com a pergunta de um jogador sobre se um clérigo de Khalmyr poderia cometer um crime. Khalmyr é o deus da ordem e da justiça de Tormenta, então a pergunta faz sentido. Afinal de contas, como poderia um clérigo da justiça cometer um crime? A resposta mais correta no caso seria que clérigos da justiça, e todos os aventureiros se vocês forem parar para pensar, cometem crimes o tempo todo.
“Como é que é? Os clérigos da justiça ficam cometendo crimes a torto e a direito? Como é que funciona isso?”
Bem, a primeira coisa que você precisa entender é que existe uma diferença muito grande entre o que é legal (no sentido jurídico) do que é justo. Lei e justiça são conceitos diferentes, apesar de em teoria (mas bem na teoria mesmo) elas andarem de mãos dadas.
Vou dizer exemplos práticos para facilitar: Escravidão nunca é justa, mas dependendo do estado pode ser legal. Chantagear o nobre corrupto para que ele contribua com tropas para salvar uma vila de um ataque de orcs pode ser justo, mas não é legal. Em sistemas ligados à D&D/D20 essa dicotomia é representada pelo sistema de tendências. O eixo moral (Bom e Mal) é ligado à justiça enquanto o eixo ético (Ordem/Caos) é ligado à lei.
Só que o sistema de tendências é mais uma maneira de determinar o comportamento geral de um personagem e se ele é afetado por determinados poderes e habilidades dentro do jogo (como a magia Martelo do Caos, que só afeta criaturas ordeiras). Não é algo absoluto. Um personagem leal pode ir contra as leis e continuar sendo leal, e um personagem bondoso pode fazer algo maligno e continuar sendo bondoso, tudo a depender das circunstâncias. O importante é compreender quando as circunstâncias se aplicam a uma exceção.
Para melhor compreender vamos voltar pra questão inicial sobre o deus da justiça. Durante muito tempo o principal rival de Khalmyr, que é no sistema de tendencias considerado leal e bondoso, foi Khallyadranoch (EITA NOME LINDO), o deus dos dragões, poder e tirania, que era leal e maligno. Nesta época, então, havia um predomínio da ordem em Arton e o conflito central era entre a justiça de Khalmyr contra a tirania de Khallyadranoch, E aí surge a grande treta: a tirania é maligna, mas ela normalmente está do lado certo da lei. Clérigos da justiça, portanto, são os inimigos naturais da tirania e da lei, quando esta última não é provida com bondade. E é essa falta ou não de bondade que faz toda a diferença sobre quando um personagem pode e deve agir fora da lei.
Se você parar para pensar, quase toda a carreira de heróis aventureiros é calcada em quebrar a lei (com exceções, é claro!) em nome de algum objetivo nobre. Heróis adentrando uma masmorra e conquistando tesouros parece muito bonito, até você lembrar que a “masmorra” é a tumba de alguém e os “heróis” estão destruindo e saqueando os arranjos funerários deixados pelos entes queridos daqueles enterrados ali. Caceta, os esqueletos estão mais que certos em tentar enfiar espadas enferrujadas no bucho dos aventureiros, eles são criminosos, estão saqueando a tumba de alguém e ainda destruindo os corpos de pessoas falecidas! É furto, arrombamento, violação e vilipêndio de cadáveres, tudo ao mesmo tempo! Cadeia neles!!
Confesse, você leu isso com a voz do Datena (ou simlares) na cabeça, não foi? |
Certo, objetivo nobre torna quebrar a lei em algo ok, mas isso não deveria mudar a tendência do personagem para neutro e bondoso ou caótico e bondoso? Você se pergunta.
Já eu respondo: Sim e não. Quebrar a lei é caminhar em direção ao caos, mas ninguém vira caótico só porque deixou alguém fugir com um pão roubado uma vez. Mudar de tendência demora mais do que apenas uma ação (a menos que seja uma ação muito significativa, como o massacrar uma sala de cheia de gente inocente em um momento de fúria ou algo tão extremo quanto). Mesmo ações repetidas contra a lei não necessariamente tornam alguém caótico. Senão isso incorreria no problema do clérigo (e do paladino e do monge, que possuem obrigações similares) que não pode cometer crimes, o que já foi explicado.
Considere um clérigo de lei e justiça está num reino lutando contra a escravidão. Ele publica um manifesto público dizendo quem é, porque a escravidão é maligna, por qual razão e como ele lutará contra a escravidão. Do ponto de vista dos habtantes do reino, o clérigo é um criminoso, mas uma lei só se aplica a alguém que aceita ou é forçado a aceitar a sociedade que cria aquela lei. Ao essencialmente fazer uma declaração de guerra, o clérigo atua como uma força estrangeira, uma segunda ordem, que batalha contra a ordem estabelecida. Dessarte, é PERFEITAMENTE possível ter criminosos que são leais (assim como é possível ter autoridades que são caóticas).Don Corleone (tanto Michael quanto Vito) sempre tentavam convencer as pessoas na base da conversa. Ozzymandias salvou o mundo com seu plano (a um custo bem sangrento) Magneto tem ideais radicais de superioridade mutante, mas não massacra humanos a seu bel prazer. Até o Venom evita matar gente inocente, a menos que elas fiquem entre ele e o Homem Aranha. E todos nós já vimos nos filmes, HQs e séries personagens policiais que contornam, ou quebram completamente, a lei para atingir seus objetivos!
Notem que apesar de falar bastante de tendências, é só porque na dúvida do rapaz o sistema utilizava essa mecânica, mas a questão vai além das tendências e envolve mais uma discussão filosófica sobre o que é a lei e o que é justiça.
Então, o que acharam?Broquei ou viajei demais?
Então, o que acharam?Broquei ou viajei demais?
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